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Fev 10

 

"Paternalismos. E moralizantes!", pensou. Para mais, vindos de japoneses! Japoneses que julgavam saber imenso sobre todos os europeus. Mas os japoneses, mais do que qualquer outro povo do oriente, deveriam saber que os portugueses eram diferentes. Portugueses e japoneses não poderiam ser mais iguais nas suas diferenças... Ambos os povos eram, inclusive, vorazes devoradores de peixe... Claro que o facto de este ser, ou não, servido crú não era pormenor de somenos importância... E ia torcendo ligeiramente o nariz enquanto assim pensava.

O casal japonês testemunhou apreensivo aqueles trejeitos faciais. Iria o estrangeiro recusar as ofertas? Nunca se sabia. Os gaijin podiam ser mesmo estranhos... Sorriram, aliviados, quando o viram baixar a cabeça e estender ambas as mãos para receber os presentes.

"Por que não?", pensara. Habitualmente recusaria presentes pelo simples facto de exigirem uma contrapartida. E esta era das piores... Uma pastilha de sublimado bem embrulhada, sem dúvida. Mas  aquele moralismo, aquele moralismo... Enfim. Os japoneses ficariam satisfeitos e ele daria uma prova de boa-vontade e adaptação a novos costumes. Estendeu os braços, sorridente, e baixou a cabeça. Agora viria o pior... Uma boa dúzia de arigatos, baixando e levantando a cabeça, baixando e levantando a cabeça, baixando e levantando a cabeça...

Abandonou os aposentos recuando, recuando lentamente e repetindo sempre os arigatos. Como ia de costas e se sentia zonzo de tantos agradecimentos, quase tropeçou à saída. Maldito rebordo!

Colocou os presentes na mesinha do seu camarote, deixando-se deslizar para a poltrona. Grande exercício, aquele... Provavelmente, teria que começar a preocupar-se com a tensão, também... Estava mesmo tonto de todo. Ao fim de alguns momentos, decidiu sair para o deck. A excitação da chegada a um novo porto deveria estar a animar os passageiros. E desta vez o porto era Macau.

Quais seriam as conversas? A agitação na China? A ocupação japonesa da Manchúria? A tentação do jogo nos hotéis? A sensualidade das bailarinas profissionais nos cabarets?

Falava-se, afinal, da chegada próxima do avião da Pan American Airways. O primeiro avião de carreira a escalar Macau.

Não se conseguiu conter. O seu pensamento voou. Voou novamente para o Caïro. Ainda e sempre Boubouka...

 

 

© Blog da Rua Nove

publicado por blogdaruanove às 20:03

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