Às oito. Saúde e fortuna...
Demorara a habituar-se. A simbologia oriental dos números era bastante distinta da ocidental. Inicialmente, estranhara a ausência do três, da trilogia sagrada, entre os números da sorte. Depois notara que esse era precisamente o único número que não integrava nem a lista dos números da sorte, nem a lista dos números de azar. Um número único, portanto...
Ocorreu-lhe, então, brincar com o conceito da prova dos nove. Mil novecentos e trinta e sete. Noves fora, dois. O seu segundo ano em Macau. O segundo ano de uma vida que lhe parecia diferente.
Caminhara absorto neste jogo, tendo chegado a casa quase sem se aperceber do barulho ou da multidão. Haviam-lhe trazido a mobília na semana anterior. Mudara-se logo. Subia agora as escadas, estranhando o ranger quase murmurado da madeira. Nos outros dias, no maior silêncio das ruas, parecia-lhe insuportável e indiscreto aquele ranger. Estranhava hoje o quase silêncio dos degraus, como nos outros dias estranhava o seu ruído.
Deixara as gelosias fechadas, como se quisesse coar aquele barulho que o acordara manhã cedo. O barulho da multidão, o barulho da cidade, o barulho do ano novo. As paredes das salas pareciam feitas de uma luz baça, interrompida pelas sombras fortes, listadas, que entravam pelas janelas.
Encostou a sua testa a uma das gelosias da varanda, fechando os olhos, tentando ver as sombras que entravam. Viu-se no Caïro. Viu o sorriso de Liang no rosto triste de Boubouka.
Não conseguiu suportar aquela imagem. Empurrou bruscamente as gelosias, abrindo os olhos à dor que a luz trazia.
Ofegante, fitou o mar, ao longe, diluindo naquela distância a sua dor.
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